Dois meses depois da última reunião do Infarmed, peritos de saúde e governantes voltam a encontrar-se, esta sexta-feira, para analisar a evolução da pandemia da Covid-19 em Portugal e analisar o possível retorno de algumas medidas excecionais.
Pedro Pinto Leite, representante da Direção-Geral da Saúde, confirma que "Portugal encontra-se na quinta fase pandémica", tal como já se esperava.
"Tivemos quatro grandes fases pandémicas e Portugal encontra-se, de momento, na quinta fase pandémica, até ao momento com um impacto na gravidade e na mortalidade inferiores às fases anteriores, ainda que mereçam alguma atenção especial", salienta.
A incidência atual é de 203 casos de infeção por SARS-CoV-2 nos últimos 14 dias por 100 mil habitantes, com uma tendência crescente e uma variação de mais 47% em relação ao período homologo.
Grupo etário até aos 9 anos é o que tem maior incidência
Já o grupo etário com maior incidência, neste momento, é o até aos 9 anos, que, tal como recorda o especialista, não tem cobertura vacinal. Seguem-se as faixas dos 20 e 30 anos.
O grupo com mais de 80 anos é o único considerado "estável", isto é, que não regista crescimento no número de infeções, muito provavelmente, lembra Pedro Pinto Leite, devido ao "efeito das doses de reforço".
Já a taxa de positividade em Portugal é de 4%, acima do valor de referência do ECDC.
Quanto aos internamentos, há um aumento de 37% relativamente ao período homólogo nas enfermarias e mais 12% no caso dos internados em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI).
Há mais internados nos grupos de mais de 70 e 80 anos e há uma "ligeira subida" de pacientes entre os 40 e 60 anos. Já em UCI há uma "estabilização" em todos os grupos etários, menos na casa dos 60 anos.
Algarve tem incidência mais alta. Centro maior número de internados em UCI
Por regiões, informa o especialista que o Algarve é a zona mais atingida neste momento, com a incidência mais alta do país e não é apenas entre os mais jovens. Os surtos foram diagnosticados em escolas e universidades, mas também em festas familiares e contexto social. A linha vermelha das UCI vai até aos 26%.
No Norte, 70% dos casos de surtos são em escolas e universidades. Já no Centro, além dos surtos em escolas e universidades, a incidência de infeções aumentou também nos lares e o nível de alerta dos internamentos em UCI está em 62%, a mais alta do país.
Lisboa e Vale do Tejo tem 20% da UCI ocupada por doentes Covid-19 e os surtos são também diagnosticados entre os mais novos, assim como no Alentejo, onde há uma incidência maior nos grupos etários mais jovens e mais baixa entre os mais velhos. A linha vermelha na UCI desta região está "preenchida" até 10%.
Portugal tem 11,1 mortes por milhão de habitantes
A taxa de mortalidade em Portugal, neste momento, é de 11,1 óbitos por milhão de habitantes. Uma tendência crescente, mas abaixo da linha de 20 óbitos por milhão definida pelo ECDC, revela Pedro Pinto Leite, acrescentando, contudo, que este valor está acima do limiar "conservador" definido por Portugal, pelo que é um dado que deve ser analisado com "cuidado".
A média de idades das vítimas mortais localiza-se nos 83 anos.
Já sobre o sucesso da vacinação, o especialista evidencia que a inoculação completa foi responsável por, em agosto, um risco de internamento 2 a 5 vezes menor do que antes. E 1,4 a 4 vezes menor quanto à letalidade, em outubro de 2021.
A nível europeu, há seis países com "preocupação muito elevada": Croácia, Eslovénia, Polónia, Hungria, Grécia e República Checa, com incidências que chegam a 2 mil casos por 100 mil habitantes.
Antes de terminar, Pinto Pinto Leite resume os principais pontos a reter da sua intervenção: a incidência aumentou em Portugal e é crescente; os internamentos aumentaram, mas a ocupação em UCI está em 28% do nível de alerta. A mortalidade aumentou, no entanto, é inferior ao limite europeu de alerta. E a vacinação reduziu o risco de internamento e de morte, o que favorece Portugal em comparação com o resto da Europa.
Portugal passa assim de um cenário de resposta de "transição" para uma resposta de "controlo".
Vacina "terá poupado 200 mil infeções" e "2.300 vidas"
Já Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, frisa que, nestes dois anos de pandemia, há dois aspetos a reter: a questão sazonal e a diferença entre o que aconteceu no 1.º e no 2.º ano, "essencialmente marcada pelo processo de vacinação".
Para este especialista é claro que "a situação portuguesa, na hierarquização da frequência de casos e mortes, encontra-se muito melhor do que há um ano em comparação com outros" países.
"Mesmo o aumento que estamos a verificar parte de uma base extraordinariamente mais baixa, que é marcada pelo reflexo da vacinação", evidencia.
Henrique Barros revela ainda que a transmissão estava a aumentar entre os mais velhos mas, com a administração da dose de reforço, esta começou a descer.
A vacinação terá "poupado", segundo o mesmo especialista, "desde maio até agora" "à volta de 200 mil infeções, 135 mil internamentos em enfermaria e 55 mil em UCI", assim como "cerca de 2.300 vidas".
É neste contexto que, segundo Henrique Barros, "deve-se pensar o futuro e as respostas" à pandemia.
Por agora, as "reuniões com mais de 50 pessoas" são desaconselhadas.
Antes de terminar, o especialista reafirma que a importância da vacinação, que considera ser "a nossa medida fundamental de proteção", aconselhando a que sejam "mantidas as medidas não farmacológicas [uso da máscara e distanciamento social] individuais", assim como "não descurar a vigilância epidemiológica e planear fortemente a resposta clínica", pois mesmo que a Covid-19 não tenha a presença relevante de há um ano "vamos viver muitas infeções respiratórias" nas próximas semanas.
980 casos por 100 mil habitantes em menos de dois meses
Intervém agora Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), sobre o impacto da vacinação, o efeito que esta já teve em Portugal e os cenários futuros.
O especialista começa por revelar que o Rt é agora de 1,17, estamos por isso "numa fase de aumento de casos e transmissibilidade "elevada", a "duplicar"” a cada quinze dias.
A linha dos 240 casos por 100 mil habitantes deve ser atingida em menos de duas semanas (e a dos 480 e 960 podem ser atingidas em um ou dois meses) se se mantiver a taxa de crescimento que agora se verifica.
Apesar disso, evidencia Baltazar Nunes, a "situação é completamente diferente de há um ano". Há menos 90% mortes entre 65 e 79 anos e a explicação para este recuo está relacionada, sobretudo, com a adesão ao processo vacinal.
Há um ano havia 700 casos por 100 mil habitantes, agora são 190.
Pico em UCI será atingido no final de janeiro, início de fevereiro
Sobre a cobertura vacinal individual, o INSA considera que há "há perda de efetividade da vacina", contudo, Portugal ainda está "numa fase inicial" do aumento de casos.
Prevê-se que o pico de ocupação dos Cuidados Intensivos seja atingido no final de janeiro, princípio de fevereiro. Para não atingirmos o limiar das 255 camas ocupadas, Baltazar defende que "precisamos de vacinar praticamente toda a população elegível para a vacinação" antes do fim de dezembro.
149 dias após a vacinação completa a efetividade é de 47%
Fala agora Ausenda Machado, também do INSA, sobre a evolução da efetividade das vacinas contra a Covid-19. A investigadora começa por revelar que a proteção conferida pela vacina na população com 30 e mais anos está "de uma forma geral acima de 50%".
Um estudo, realizado entre fevereiro e outubro deste ano, revela que, ao longo do tempo, a eficácia da vacinação completa decai. Aos 149 dias depois de completada a vacinação, a efetividade está nos 47%. Cinco meses após a toma, a vacina "tem baixa precisão", revela a especialista, acautelando, contudo, para a possibilidade desta avaliação "estar subestimada".
Já a nível dos internamentos, "cinco meses após a vacinação completa, a efetividade ainda está com valores de 70%".
Sobre a dose de reforço, Ausenda Machado revela que, desde que esta começou a ser introduzida em Portugal, verificou-se uma alteração da "tendência de crescimento da incidência na população com 80 e mais anos".
Entre outras conclusões, a investigadora realça que "as vacinas são efetivas na redução da doença, mas em particular na doença grave ou muito grave", na infeção, a efetividade é superior a 53% e na hospitalização e óbito superior a 80%. Já a efetividade varia com a idade e é mais elevada na população entre os 30 e os 49 anos. Por fim, "o decaimento é maior na população com 65 e mais anos".
630 mil pessoas que já receberam a terceira dose
Já o coronel Carlos Penha-Gonçalves, que lidera o núcleo de coordenação do plano de vacinação contra a Covid-19, revela que há, neste momento, 304 pontos de vacinação, com capacidade para administrar 460 mil doses por semana.
Sobre a campanha de vacinação contra a gripe, cerca de 73% das pessoas com mais de 80 anos já foram vacinadas, 42% dos 70 aos 79 anos e 20% dos 65 aos 79, o que corresponde a cerca de 1 milhão e 400 mil pessoas. O teto vacinal desta vacina costuma ser de 75%, o que significa que ainda há 730 mil pessoas por vacinar, o que dá, segundo o coronel, 25 mil vacinas por dia, "perfeitamente dentro do que temos vacinado".
Quanto à vacinação contra a Covid-19, a população elegível é por agora só a que já tem vacina há mais de seis meses e 630 mil pessoas que já receberam a terceira dose.
Se se mantiver esta adesão, haverá 600 mil pessoas para vacinar até 19 de dezembro, uma cadência de 20 mil pessoas por dia. Se a adesão aumentar, o ritmo terá de subir para os 35 mil por dia. Assim, Portugal conseguiria vacinar "uma parte muito, muito significativa desta população", evidencia Carlos Penha-Gonçalves.
Aceleração da testagem, teletrabalho e evitar aglomerados
Por fim, Raquel Duarte, da ARS Norte, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, avança para uma proposta de medidas que têm como objetivo conter a propagação da pandemia.
Além do reforço às vacinas, a especialista aconselha a que não se frequente espaços públicos com aglomeração de pessoas, estar em espaços abertos, ter um círculo social pequeno, manter a distância, usar a máscara, sobretudo em sítios fechados e com pessoas de fora da "bolha", assim como minimizar o contacto de pessoas com sintomas.
Para Raquel Duarte, as principais ameaças atuais prendem-se com o aumento de casos noutros país, a diminuição da eficácia da vacina e a diminuição da ideia de risco entre a população, assim como o frio, mais tempo em espaços fechados, uma população envelhecida a precisar de uma dose de reforço, o Natal, os convívios e a mobilidade.
"Porque é que nos focamos tanto no Natal? Temos aumento do risco de crescimento exponencial, duplicar ou triplicar casos, e aumento absoluto de casos graves pode aumentar de forma proporcional", explica.
Raquel Duarte defende ainda que se aumente a "cultura de recurso ao autoteste" e a obrigatoriedade do "certificado com teste para estar no interior e sem máscara".
"O principal eixo" de ataque deve ser a aceleração do processo de reforço massivo. Deve-se manter estratégias eficazes utilizadas no passado: equipas de proximidade e contacto telefónico personalizado com quem falta ao agendamento da vacina.
Outro eixo fundamental, na opinião da especialista, é a testagem, que deve ser "desmistificada", voluntária e gratuita, também entre vacinados. É preciso também aumentar "a cultura de recurso ao autoteste", aumentando o recurso fácil e gratuito.
Já os viajantes devem ser testados até 48h depois de entrarem no país, além de apresentarem certificado.
É ainda importante, para Raquel Duarte, monitorizar as variantes em circulação, capacitar os serviços de saúde pública para apoiar o rastreio aos viajantes por via marítima e terrestre.
A ventilação e a climatização dos espaços interiores deve voltar a ser tida em conta.
Nos lares, para maior proteção, é necessário exigir certificado digital combinado com pesquisa de sintomas e testagem a quem chega de fora.
Em resumo, a estratégia deve ser: Vacinação; Promoção da qualidade do ar; Distância; Utilização da máscara; Testagem.
Desta forma, a proposta apresentada pelos especialistas, em setembro, caso os casos aumentassem, mantém-se: Adequação da ventilação e climatização; Utilização do certificado com teste recente nos espaços públicos; Autoavaliação de risco; Promoção de atividades no exterior ou remotas sempre que possível; Distanciamento físico, com definição de número máximo de pessoas por metro quadrado; Utilização obrigatória de máscara em ambientes fechados e eventos públicos e em todas as situações de aglomerados não controlados.
Em contexto laboral deve haver desfasamento de horário e aconselha-se o teletrabalho sempre que possível.
Sugere-se ainda que não se realizem eventos que não possam ser "controlados", ou seja, garantir que as medidas gerais são aplicadas, com circuitos bem definidos e máscara.
Na circulação de espaços públicos, recomenda-se manutenção da distância e máscara perante a ideia de que existe risco.
Nos convívios familiares alargados, será "muito importante a autoavaliação de risco e utilização de autotestes".
Já nos centros comerciais, devem ser aplicadas as medidas gerais.
Nos lares, deve haver identificação do risco, promoção de medidas de prevenção individual, do certificado e testagem regular para funcionários e visitas e promoção de medidas de controlo da infeção.
Nos transportes públicos, cuidado com a ventilação ou em alternativa manter janelas abertas, e utilização obrigatória de máscara.