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Manter Carnaval seria desfilar por cima de cadáveres, diz Neguinho da Beija-Flor
Notícias
Publicado em 16/02/2021

Não tem Carnaval, mas tem sorriso. Neguinho da Beija-Flor, um dos maiores intérpretes do Carnaval brasileiro, está fazendo de conta que este ano sem folia é só "outro 7 a 1". Desligou a televisão e "só volta depois da Quarta-Feira de Cinzas".

Com a voz rouca e potente, em frente à parede cravada de prêmios no apartamento com vista para o mar em Copacabana (zona sul do Rio), ele fala sobre os dias que passou internado, os amigos que perdeu para a Covid-19 e a impossibilidade de desfilar "por cima de cadáveres".

Sobrevivendo de cachês simbólicos de lives, ele lamenta o desemprego no setor. Também comenta a criminalização do samba e do funk após a morte do neto Gabriel, 20, durante um confronto num baile no ano passado, e cita o racismo que persiste mesmo depois de 46 anos de carreira. Insiste, porém, que a vida não lhe dá motivos para silenciar o riso.

*PERGUNTA - Qual é o sentimento de viver um ano sem Carnaval, pela primeira vez em mais de 40 anos?

NEGUINHO DA BEIJA-FLOR - O Carnaval é a minha vida, é a minha história. O desfile das escolas de samba é considerado o maior espetáculo a céu aberto do planeta, imagina você ser uma das peças disso. Então é muito triste, um luto, como se estivesse vivendo um velório. Mas estou consciente de que tem que ser dessa forma, a vida em primeiro lugar. O que me conforta é saber que em 2022 tem mais.Há três meses você foi internado com Covid, depois de ter tratado um câncer por sete anos.

Como o vírus te afetou?

NEGUINHO DA BEIJA-FLOR - Já passei por tudo. Tenho certeza de que Deus gosta de mim, porque lá atrás eu já fiz tratamento de pulmão, depois câncer [de intestino], chikungunya e agora coronavírus. Fiquei uns três dias internado, mal. Eu só pedia para não ser intubado [não foi]. Fiquei cerca de um mês com falta de ar, mas agora estou bonito, estou até correndo.

Teve parentes ou colegas próximos afetados pela Covid?

NEGUINHO DA BEIJA-FLOR - Minha esposa e meu filho mais velho. Da minha família não morreu ninguém, mas morreu meu [ex-]presidente da Beija-Flor [Farid Abrão David, prefeito de Nilópolis e irmão do atual presidente da escola, Anísio Abraão David]. Também perdi seis pessoas da bateria, perdi o presidente da ala de compositores, perdi compositores.

É muita gente, por isso eu estou de pleno acordo que não tenha Carnaval, porque seria desfilar por cima de cadáveres. Não tem nem como você estar ali cantando e pensando nas pessoas que estavam do seu lado esses anos todos e não estão mais.

Vamos ter paciência e pensar em 2022, a vacina está aí, é a grande esperança para o mundo da música e do entretenimento. Eu estava com uma turnê de 20 dias nos EUA e 60 dias na Europa de maio a julho, tudo cancelado.

Como tem sido sua rotina sem a agenda do Carnaval?

NEGUINHO DA BEIJA-FLOR - Hoje eu estaria a mil por hora: corre, vai, volta, vê credencial, passa a música. Agora tenho ficado em casa, como todo mundo. Tenho mantido a aula de canto, me exercitado e sobrevivido de lives. Graças a Deus tenho uma agenda muito solicitada, e nessa situação a opção foi essa, embora os cachês sejam simbólicos.

Senão como é que eu ia pagar esse apartamento aqui, manter esse padrão de vida em Copacabana? As lives são remuneradinhas, "inhas". Se você ganha dez, em uma live ganha dez vezes menos. É uma ajuda de custo, paga o deslocamento, os músicos.

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