Em uma demonstração provocativa de força para a Rússia, os Estados Unidos pousaram pela primeira vez um bombardeiro com capacidade nuclear na região acima do Círculo Polar Ártico.
É a rota mais curta para um ataque contra Moscou, por cortesia da curvatura da Terra. O avião foi escolhido a dedo: um B-1B, bombardeiro supersônico projetado na Guerra Fria justamente para missões de penetração no então espaço aéreo soviético.
A aeronave, uma das quatro deslocadas no mês passado para a base norueguesa de Orland, pousou no domingo (7) no mais setentrional aeródromo de Bodo. Os detalhes começaram a emergir agora.
A tripulação do "Cavaleiro das Trevas", apelido do avião, fez o chamado "pit-stop morno", no qual os quatro motores são desligados e ele é reabastecido em terra com a tripulação embarcada. É uma das simulações do que acontece durante missões de combate.
O Círculo Polar Ártico é visto como quintal por Moscou, que mantém uma forte presença militar do lado oposto da península que abriga Noruega e Suécia.
Além de rotas militares importantes, aproveitando a distâncias menores entre a Rússia e o Ocidente pelo polo Norte, o degelo do Ártico tem aberto caminhos comerciais marítimos e mais exploração de gás e petróleo.
B-1Bs e outros bombardeiros já voaram pela região, mas o pouso tem uma carga simbólica: um recado sobre capacidades e disposição condizentes com o discurso mais agressivo do novo governo de Joe Biden ante o Kremlin de Vladimir Putin.
A Rússia reagiu já no mês passado, enviando um cruzador, o Marechal Ustinov, pela primeira vez para o fiorde de Varanger, que marca a fronteira marítima com a Noruega –que é membro da Otan, aliança militar liderada pelos EUA.
Mais sinais são esperados, dado que os B-1Bs estão voando missões de reconhecimento com F-16s e F-35 noruegueses, além de outras com caças Gripen da Suécia, uma aliada ocidental que não faz parte da Otan e tem histórico de receio da Rússia.
A movimentação ocorre depois de Biden ter feito discursos e tomado medidas contra Putin, acusando o governo russo de tentar matar o opositor Alexei Navalni e aplicando sanções a autoridades ligadas ao Kremlin.
Tudo isso faz parte da dança diplomática das grandes potências, reavivada nos anos de Putin no poder (de 1999 para cá) e acentuada com a assertividade da China de Xi Jinping.
Significativamente, nesta quarta (10) o embaixador chinês em Moscou, Zhang Hanhui, afirmou à agência Interfax que seu país deve coordenar políticas direcionadas aos Estados Unidos com Moscou.
"Há 50 anos, os EUA e a China abriram a porta para um relacionamento que estava fechada havia décadas. Agora, 50 anos depois, os EUA precisa corrigir os erros que cometeu", disse Zhang.
Biden irá promover uma reunião virtual com seus aliados do Quad, o grupo militar que reúne EUA, Japão, Austrália e Índia, em oposição a Pequim. As tensões sino-americanas seguem em alta em pontos como o mar do Sul da China, que recebe B1-Bs com frequência.
"Como dois países importantes, China e Rússia compartilham interesses em comum", afirmou o embaixador.
É um morde-e-assopra típico, já que também nesta quarta os EUA confirmaram que vão promover um encontro de alto diplomático de alto nível com enviados chineses no Alasca.
A reunião, revelada pelo jornal honconguês South China Morning Post, deverá reunir os chanceleres dos países "nos próximos meses", segundo a Casa Branca.
Desta forma, é possível ler o aceno a Putin como uma forma de asseverar independência em relação a Biden, que até aqui só sinalizou a manutenção da política de confronto com a China instituída pelo seu antecessor, Donald Trump.
A Guerra Fria 2.0 do republicano pode até mudar de tom, mas não de objetivo. Biden já deixou claro que considera a China o maior rival estratégico dos EUA, enquanto vê a Rússia como uma perigosa adversária, particularmente no campo militar.
Desta forma, sinais aparentemente pequenos, como o envio de um avião para uma base remota no Ártico, ganham importância como termômetro das disposições de lado a lado.